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  • Foto do escritorMatheus Brasilino

Sobre Bioshock

E vamos novamente falar sobre uma obra da cultura moderna.


Aproveitando o embalo de meu ultimo texto sobre o anime “SpyxFamily”, quero falar novamente sobre videogames.


Como já é conhecido para quem lê de meus escritos, sou um grande entusiasta do potencial cultural que os jogos eletrônicos tem. Apesar de hoje, boa parte da indústria estar envenenada pelo progressismo e doutrinação sistêmica, penso que assim como o cinema, o jogo tem a capacidade de transmitir bons valores com uma profundidade ainda não vista.


Da mesma forma que o cinema se torna arte mesclando a escrita, a música, o teatro e a arte visual, o jogo faz tudo isso, ainda inserindo a mecânica de nos fazer controlar o personagem, tomando suas decisões e colhendo as consequências, o que faz cada obra ser pedagógica por excelência.


Então voltemos a 2007, onde o mundo vivia tempos mais tranquilos e esse pobre escritor, ainda não sabendo explicar sobre esse potencial, se depara com um jogo de tiro chamado “Bioshock” e casualmente se coloca na narrativa da degradação da cidade de Rapture, conhecendo pelos áudios entre as ruínas, o destino cruel de cada habitante do amaldiçoado lugar e entendendo aos poucos, a mensagem subjetiva dos escritores.


Ao completar, minha sensação foi de ter me deparado com uma joia, que pela minha infelicidade, não seria contemplada em sua plenitude por muitos, mas que de certa forma, eternizou as suas lições no fundo de minha própria consciência, para que um dia possa dissertar e transmitir esses valores de modo apropriado. Esse dia, pela graça de Deus, chegou, onde poderei escrever sobre minha interpretação do enredo e separar a mensagem original que as ruas de Rapture tendem a evidenciar.


Uma vez expostas as motivações, seguimos ao argumento.


Para entender Rapture, primeiramente gostaria de mencionar Santo Agostinho, e sua obra “Cidade de Deus”, onde ele descreve, dando continuidade ao trabalho de Platão, que a “Polis”, (pátria ou cidade) deveria ser governada pela sabedoria, assim como os gregos concluíram, mas que haveriam dois tipos de sabedorias, acarretando dois tipos de cidades diferentes: a cidade de Deus (Civitate Dei) e a cidade do homem. (Homo Civitatem)


A cidade de Deus, guiada pela sabedoria verdadeira, buscaria a eternidade. Servindo a verdade e ao bem comum, cada homem sacrificaria a si mesmo, com relação a impulsos, desejos e ambições, para ser instrumento do criador sobre a terra, santificando-se a cada dia, e transmitindo os valores universais pela sua razão, tradição e obra.


A cidade do homem, por outro lado, buscaria saciar seus prazeres mundanos e egoístas, usando de todo conhecimento sensível para satisfazer-se de modo individual. Essa cidade não teria amor ou misericórdia, sendo ordenada em comunhão apenas pelas relações utilitárias (comerciais ou hierárquicas) e aprazíveis. (consumo e prazer) A sabedoria da cidade do homem seria supostamente falsa, levando a conflitos internos e degradação, para que no fim de tudo, a pátria desapareça em guerras civis constantes.

Rapture é Homo Civitatem e sua frase de fundação seria “Sem deuses ou reis, apenas homens”.


Andrew Ryan, o fundador da cidade, baseou-se na filosofia de Ayn Rand, conhecida no ambiente acadêmico como “objetivismo”. Essa doutrina prega que o egoísmo é uma virtude e todo senso de caridade seria, no fim das contas, um argumento dos fracos para se aproveitarem dos fortes, como parasitas. Aos seguidores desse pensamento, todos devem trabalhar apenas para si mesmos, pois a suposta soma dos interesses individuais formaria um interesse coletivo que seja harmônico e ordenado. Ao mesmo tempo, ninguém seria um fardo para ninguém, pois todos se esforçariam quando soubessem que a sociedade não iria mais ampará-los e que daquele momento em diante, “era cada um por si”.


Ryan como personagem, é muito carismático e convincente. A paixão em suas palavras, o idealismo de seu discurso faz cada jogador sentir suas frustrações e lembrarem-se por conta própria, das injustiças desse mundo. Todos se lembram das vezes em que foram virtuosos, mas por conta de erros de outros, não colheram os frutos de seu trabalho e se perguntam no fundo de suas almas “por que servir”? Esse homem, na narrativa, cria uma cidade nas profundezas do oceano, que artisticamente pode ser uma analogia ao inferno, ou local daqueles que estão submergidos pelo pecado do orgulho sobre as águas das vaidades sem fim. Seu personagem, como visitante, desce ao seu ambiente, apenas para encontrar anarquia, caos e violência.


Explorando a cidade e lutando contra as múltiplas facções, aos poucos o jogador vai descobrindo que todo plano deu errado, e como Santo Agostinho estimaria, o lugar pereceu mediante aos conflitos internos e interesses egoístas. Seu personagem é mudo, e é conduzido de nível a nível por áudios deixados para trás, daqueles que habitaram o ambiente e viram tudo desabar. Muitos dos locutores dos áudios morreram em agonia, amaldiçoando a ideologia maldita de Ryan, outros se arrependeram, e tentaram corrigir seus erros, outros simplesmente enlouqueceram, atacando a tudo a todos.


Dos que enlouqueceram, ressalto um personagem chamado Sander Cohen. Este era responsável pela arte e estética da cidade. Era obcecado por tudo que era belo, mas justamente pela falta de caridade, tornou-se egocêntrico e psicótico. Aos poucos, transmitiu sua estética corrompida por todo o ambiente e por isso, tudo em Rapture era feio e deformado. Cohen exaltava tudo aquilo como beleza e impunha sobre todos o padrão corrompido, com suas vítimas o amaldiçoando, por tê-las feito um mero reflexo doentio do que já foram um dia. O vazio da feiura foi um propulsor da violência e um grande elemento para indução do caos.


Havia ainda um elemento científico no lugar, representado por uma droga chamada “Eve”, que talvez seja uma possível analogia ao gnosticismo, com a Eva e seu pecado original. Essa química, quando injetada, concedia poderes aos hospedeiros, mas viciava. Então boa parte dos seus inimigos durante o jogo são viciados que se atacam entre si em busca de mais Eve, ou mais gnose, ou mais drogas, ou mais vacinas, onde fica livre a interpretação.


Existiam, nessa cidade, pequenas crianças, com seringas, que foram experimentos programados para coletarem Eve do sangue dos mortos. Pequenas meninas com olhares mórbidos caminhavam alegremente pelas ruas de Rapture em busca de cadáveres, portando de suas agulhas coletadoras. Essas pequenas almas viviam em um mundo de ilusões, onde nas suas memórias, estavam coletando flores bonitas, para entregarem a um suposto protopai. Eram chamadas de “Little Sisters”.


Para não serem atacadas pelos viciados, estavam sempre acompanhadas de monstros que as protegiam. Da mesma forma, eles eram experimentos e também sofriam lavagem cerebral, para serem os pais guardiões daquelas que foram abandonadas ao caos. Eram muito fortes e extremamente difíceis de derrotar. Chamavam-se de “Big Daddies”.


O jogador, mediante a triste realidade, tem uma escolha moral a fazer.


Ele poderia atacar a Little Sister, matar o Big Daddy, roubar o Eve e se tornar poderoso, como um semideus, visando restaurar a ordem na cidade dos homens, ou ele poderia poupá-las, não recorrendo ao elemento viciante para se empoderar. Se uma Little Sister perde seu Eve, ela perderia sua razão de existir, morrendo consequente em grande sofrimento, mas o poder adquirido compensava e a repulsa de vê-las atras dos cadáveres fortificavam a tentação. Mas no fim, o tratamento que as dá, tem consequências gravíssimas na conclusão da história.


O ultimo personagem que precisamos entender de Rapture, seria justamente o vilão: Frank Fontaine.


Fontaine foi o homem mais talentoso da cidade e ele almejou tomar o poder de Andrew Ryan. Afinal, se a cidade é objetivista, não faz sentido ser governado por alguém com menos talento que você. Na espiral do orgulho, ele se faz revolucionário e grita, como Lúcifer, o brado “não servirei”, se tornando uma força de degradação na cidade dos degradados. De seus áudios, percebe-se que ele manipulou a todos, fingindo ser bom, portando-se como uma força misericordiosa, apenas para usá-los em prol de sua trilha de usurpação do poder. No fim, seus atos corrompidos foram a fagulha que conduziu a explosão e fluxo de guerras civis sem fim na civilização das profundezas. Fontaine foi a causa eficiente do caos, cujo qual premeditou para que fosse um período de transição para seu novo governo, que seria realmente objetivista e sem caridade alguma.


Para isso, ele precisaria se tornar um demônio entre os demônios. Um monstro definitivo para governar com punhos de ferro sobre os viciados em Eve. E para concluir sua jornada, ele usa de uma ultima peça: você, ou melhor, seu personagem.


Na batalha final, o jogador descobre que não importa quantos inimigos derrotou ou quão próspero e habilidoso foi em sua jornada, ele no fim, foi manipulado por Fontaine, como todos os outros personagens em sua sádica revolução. Você, no entanto, foi o único que se aproximou o bastante para conseguir ver sua verdadeira forma: Atlas, o titã.


Explicando o contexto, na mitologia grega, Atlas foi um gigante condenado pelos deuses a literalmente carregar o mundo sobre as costas. (aliás, por isso nossos mapas tem o nome de atlas geográfico) E o livro de Ayn Rand, da filosofia objetivista, se chama “A Revolta de Atlas”. Fontaine então era Atlas, e ao dizer não servirei, não carregou o mundo sobre suas costas, mas o deixou desabar, levando Rapture ao caos.


E então, mediante a revelação definitiva, se o jogador foi honesto e não matou as Little Sisters, ele derrota Atlas, e se não, ele é derrotado. Andrew Ryan dizia que “um homem escolhe, mas o escravo só obedece”, demonstrando que, se você obedece a ideologia da cidade, és um mero escravo, incapaz de derrotar as condições temporais e muito menos está preparado para lidar com o titã que optou por não servir. Mas se você, jogador cristão, optou por ir contra a maré e não fez o que o sistema queria que fizesse, você, pela caridade, derrota o objetivismo, coloca Atlas ao chão e escapa da cidade das profundezas.


Trazendo a morte ao vilão, ao completar o jogo, justiça se é feita por todas as vozes desorientadas que clamavam por socorro nos áudios que lhe orientaram por todo o seu caminho. Todas as dores, lágrimas, loucuras e mortes, tudo se era vingado, dando-lhe assim, a saída da cidade dos homens, em busca de uma transcendência. Afinal, Rapture significa “ruptura” no fim das contas.


Mediante a tão bela narrativa, somos convidados a romper nossos laços com o orgulho e egoísmo, para não sermos fantoches da revolução. Nossa realidade não está distante da ambientação do jogo e quanto mais os anos passam, mais a mensagem dos autores parece ressoar com grande força. O objetivismo é só uma das múltiplas ideologias doentias espalhadas sobre nossas academias, cujo qual devemos lutar diariamente, “matando um leão por dia”.


E que possamos também a aprender a desenvolver obras com tal profundidade, para fins de orientação e resistência, em nome da salvação das almas.

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