Eduardo Rezende
Narrativas a Parte - 1
“Ele será um grande homem no futuro” – é o que o povo da vila dizia sobre o jovem rapaz. Forte, organizado, talentoso, inteligente e carismático, o jovem rapaz pensava que poderia se tornar qualquer coisa que quisesse. Se mantinha de postura ereta, com o peito estufado e os ombros firmes, e seus olhos castanhos cintilavam uma autoconfiança inabalável. Seu corpo era forte, cultivado através de incontáveis horas de treinamento com a espada.
Depois de horas praticando a luta com a espada, ele cruzava a vila em direção para sua casa. Muitas garotas acenavam para ele enquanto ele andava, e ele gentilmente acenava de volta para elas. Ao chegar em casa, ele começava a afiar a espada para que a mesma ficasse em boa forma para o treinamento no dia seguinte.
Certo dia, um espírito apareceu para ele, o chamando pelo nome. O jovem rapaz se virou com rapidez, pronto para atacar, quando percebeu uma pequena nuvem pálida, flutuando no centro de seu quarto. Sem indícios de idade ou gênero, o espírito tinha uma expressão neutra. Nem feliz ou triste, como se o mesmo não tivesse emoção alguma. O espírito começou a falar:
— Grado da Vila do Uindan, eu sou o espírito da visão.
O jovem rapaz permaneceu firme encarando o espírito.
— O que você quer? -disse em guarda, preparado para o combate.
O espírito permaneceu imóvel sem demonstrar medo algum.
— Vim em paz, só quero lhe mostrar os meus poderes. – Disse o espírito — Posso te mostrar qualquer coisa que deseja, pois sou o espírito da visão.
O jovem rapaz observou o espírito com cuidado enquanto flutuava no ar e não demonstrava ser nenhum perigo imediato.
— Você pode me mostrar qualquer coisa, não é? Me mostre os estábulos da Vila do Uindan. - Disse o jovem rapaz, demonstrando desdém, mas com uma pitada de curiosidade.
O espírito fez aparecer uma nuvem de fumaça, e dentro da fumaça, os estábulos podiam ser vistos com clareza. A imagem ficava flutuando no ar por alguns minutos antes de desaparecerem. O jovem rapaz sorriu,
— Que interessante. – Pensou consigo.
Uma outra ideia veio em sua mente.
— Mostre-me a garota mais bonita do mundo. - Sugeriu o rapaz, com um sorriso malicioso.
Sem demora, o espírito fez aparecer outra nuvem de fumaça, e dentro dela, apareceu a garota mais bela que o jovem rapaz já tinha visto: possuía longos cabelos negros, grandes e belos olhos verdes, um nariz delicado e lábios delineados. Estava de pé, posando com uma de suas mãos em sua fina cintura. As pupilas do jovem rapaz se dilataram, enquanto ele admirava a garota por mais de 5 minutos, quando então se lembrou onde estava, limpou a garganta e se recompôs. Enquanto ele se sentia ligeiramente envergonhado, o espírito mantinha uma visão vazia, aparentemente ignorando a reação vergonhosa do rapaz.
Em seguida, uma outra ideia veio à mente do jovem.
— Mostre-me um grande guerreiro. -Exigiu ele.
Como das outras vezes, o espirito fez aparecer uma nuvem de fumaça e dentro dela havia exatamente a imagem que o jovem queria: o guerreiro perfeito se mantinha ereto, olhando para as planícies distantes, seu corpo em forma e musculoso, com um olhar ameaçador.
O jovem rapaz ficou admirado ao olhar para esse grande guerreiro, jurando para si mesmo que ele se tornaria um grande guerreiro como esse que tinha visto, e assim, o jovem rapaz já estava farto.
— Tens um grande dom, mas deve me deixar agora, espírito. Já vi o bastante. - Disse ele, enquanto voltava para a cadeira para afiar novamente sua espada.
—Eu ficarei aqui no canto de seu quarto, pronto para lhe mostrar qualquer visão que desejas. - O espírito disse, sem demonstrar emoção alguma.
O jovem rapaz deu de ombros com indiferença, pois o espírito não aparentava ser uma ameaça.
Com o passar das semanas, o jovem rapaz se acostumou com a presença do espírito em seu quarto. Ele o usava para ver como estaria o clima naquele dia, o usava também para ver o que seus amigos estavam fazendo e ele inclusive começou a pedir ao espírito para lhe mostrar belas garotas sem roupas – até porque, o espírito da visão mostraria qualquer coisa que o jovem rapaz quisesse.
No começo, era tímido, mas com o passar do tempo, por conta da expressão indiferente de seu visitante, deixou de sentir vergonha das imagens eróticas.
Semanas se tornaram meses, o jovem começou a diminuir gradativamente suas horas de treinamento diário, saindo uma hora mais cedo, e depois duas horas antes, depois três... O prazer do espírito da visão era muito mais estimulante do que a dura, repetitiva e cansativa rotina de treinos.
As garotas da vila ainda acenavam para ele no caminho de volta, mas o jovem rapaz parou de acenar de volta como antes.
—Elas não são tão atraentes. – Pensou consigo mesmo. — Um dia, acharei uma garota tão linda como aquelas que vejo através da magia do espírito.
Ele começou a usar o espírito para assistir grandes batalhas, ele vibrava e torcia em alto som quando seu guerreiro favorito liderava uma batalha e a vencia com a menor das chances. Assistia a tudo isto animado, pensando que um dia ele mesmo lideraria um exército em suas próprias batalhas. Pensava nessas batalhas enquanto treinava com a espada, e inclusive começou a recitar linhas de diálogo de seu guerreiro favorito enquanto praticava. O jovem rapaz deixava o treinamento depois de algumas poucas horas para ir depressa para casa e assistir outra grande batalha (fazia isso depois de assistir belas garotas nuas, claro).
Um ano se passou, e as garotas da vila pararam de acenar para o jovem rapaz, algumas se casaram, outras podiam ser ouvidas gritando o nome de um outro rapaz da vila que praticava arquearia. Aparentemente ele era um ótimo arqueiro. O jovem Grado odiava e ressentia o arqueiro em seu coração, pois em sua opinião, grandes guerreiros não atacam a distância. Grado agora treinava poucas horas ao dia, e em alguns dias, ele não treinava de forma alguma. Ele caminhava a passos rápidos para atravessar sua vila e assim chegar em casa, sem interesse em trocar palavras com seu povo. Tudo parecia desinteressante e monótono, sem valer o esforço.
Ele começou a usar o espírito para assistir belas mulheres performando em cenas de sexo explícito, uma cena seguida de outra, e de outra e de outra... Para o jovem Grado, a mera visão de uma mulher nua não era interessante o bastante.
Sua admiração por seu guerreiro favorito se transformou em inveja, ele o assistia derrotando inúmeros inimigos. A distância entre as habilidades de Grado em comparação ao guerreiro que admirava crescia a cada dia, mas ele deixou de se importar.
Grado não conseguia mais correr longas distâncias, seu escudo começou a pesar mais e mais. Sua habilidade com a espada estava agora abaixo se comparada às habilidades de outros jovens de sua idade.
Mais alguns anos se passaram e Grado desistiu de se tornar um herói, ainda que ele revia suas batalhas favoritas com a ajuda do espírito de tempos em tempos.
Ele ainda não tinha se casado, e com isso ficava cada dia mais frustrado e triste. Sua espada repousava silenciosamente em seu quarto, agregando mais poeira em sua lâmina.
Na noite de seu aniversário de 30 anos, o agora homem adulto sentava sozinho em seu quarto, sentindo a maior angústia e tristeza e frustração que já sentiu em toda a sua vida. Não havia ninguém para festejar, e ele mesmo não sentia motivação para comemorar. Três décadas e nenhuma vitória, seguindo para a próxima fase da vida com uma trilha de pecados, impurezas, desprezos e amarguras.
Meia-noite em ponto e o espírito soltou uma risada diabólica.
O homem se assustou pois nunca tinha visto o espírito rir antes, na verdade, nunca, em todos esses anos, o espírito demonstrou ter algum sentimento. Ele olhou com receio. Então, o espirito da visão começou a demonstrar um grande sorriso, sorriso esse que deixou Grado arrepiado. Pela primeira vez, em dez anos, o espírito voltou a falar:
—Meu trabalho aqui está feito. – disse com uma voz rouca e grossa.
—Do que está falando? -indaga o amedrontado Grado.
O espírito riu mais uma vez:
—Irei revelar agora o segredo que guardo há 10 anos. Eu sou a concentração de todo o mal que existe, sou a raiz de toda a escuridão do mundo, sou o diabo em pessoa. -Disse o espírito com orgulho.
O homem ficou aterrorizado, ficou boquiaberto e sem palavras.
—Um demônio poderoso que serve a mim irá atacar a vila nesta noite, uma profecia previu que você era o herói destinado a derrotá-lo, mas fui eu quem derrotou você. E agora todas as almas dessa vila são minhas. -Disse o espírito satisfeito.
—Por que esperar 10 longos anos? -Perguntou Grado, com uma voz oscilante de medo. —Por que seu lacaio não quis lutar comigo quando nos conhecemos?
O espírito riu outra vez.
—Se meu lacaio tivesse enfrentado você quando nos conhecemos, você o teria derrotado. Eu sou esperto, e as gotas de veneno que depositei em você através de fantasias intermináveis, o enfraqueceram a tal ponto, que você não é mais capaz de lutar, e agora essa vila é minha!
Grado não podia fazer outra coisa senão sentar em sua cama devagar, uma grande dor se originou em seu estômago, dor essa que ele sabia que nunca mais iria embora. Todos os que conheciam morreriam naquela noite. Homens, mulheres e crianças. As vozes e pensamentos que acreditavam nele, os recursos e valores aplicados, as obras e lembranças. Tudo seria perdido, sacrificado em nome da sua fraqueza e de seu pecado. O herói que ele sempre quis ser nunca despertou, pois o inimigo a ser derrotado estava em seu interior, e agora era seu mestre. Quando começou a ouvir os gritos, sabia que era tarde demais.
Somente o diabo em pessoa poderia infligir a profunda angústia e arrependimento que agora possuía sua mente. A tortura mental era grande demais para ele. Precisava de algo para aliviar essa dor.
—Posso ver aquelas belas mulheres fazendo sexo mais uma vez?
Um sorriso sádico podia ser visto no rosto do diabo.
—Claro que sim. -respondeu.